ENSINO DA GRAMÁTICA VERSUS ESCRITA CONVENCIONAL: OS ENTRAVES INVISÍVEIS
Por Maria José da Silva
A reflexão que pretendo fazer aqui tem como base minha experiência como professora do ensino fundamental em escolas da rede pública e minha formação na área de Letras.
Desde muito cedo, no ensino fundamental, as crianças são introduzidas nas primeiras noções gramaticais, que começam com exercícios de separação silábica, já no segundo ano do fundamental. Depois, passam para a classificação quanto ao número de sílabas, sílaba tônica, classes de palavras e não param mais.
Vamos refletir um pouco e tentar responder alguns questionamentos que sempre permearam minha trajetória como professora: A criança ou adolescente escreverá melhor se decorar as regras gramaticais? Será capaz de se expressar oralmente com desenvoltura? Cultivará o fundamental hábito pela leitura, se a prioridade do professor for o ensino das regras gramaticais? Será um adulto que demonstra competências de um bom falante da Língua Portuguesa?
Segundo Celso Antunes[1] a gramática, sozinha, é incapaz de preencher as necessidades interacionais, de quem fala, escuta, lê e escreve textos.
A meu ver, o Ensino da Língua Portuguesa, na rede pública de ensino, não oportuniza aos alunos a apropriação de um conhecimento linguístico que contribua para sua desenvoltura como falante. Os índices mostram que o aluno chega ao final do ensino fundamental sem as competências necessárias para redigir um bom texto. Quero deixar claro que compreendo que há vários fatores que contribuem para esse resultado insatisfatório, porém, minha análise se limitará aos aspectos inerentes ao ensino de língua – e suas limitações - nas escolas da rede pública.
Mas, então, onde a escola tem falhado?
De acordo com Luiz Carlos Travaglia[2], os exercícios de reconhecimento e classificação de classes de palavras e de funções sintáticas correspondem a mais de 70% (75,56%) das atividades de ensino de gramática, aparecendo em todos os grupos pesquisados. (...) os mesmos tópicos gramaticais são repisados ano após ano, pelos onze anos que constituem o ensino de 1º e 2º graus.
Conforme afirma Travaglia, o que se vê na maioria das escolas, ainda é uma preocupação gigantesca com ensino da gramática normativa em detrimento da produção textual e da leitura. A língua é vista como um sistema fechado. Há uma fragmentação no ensino e as aulas de gramática não se relacionam com as de leitura e produção textual. A metodologia transmissiva não conduz à reflexão sobre a língua.
Decorar regras gramaticais não torna o aluno um falante competente, pelo contrário, cria no aluno certa rejeição pela repetição de regras que ele não consegue compreender. Ao passo que, se o aluno produz um texto e o professor mostra no seu texto os substantivos, os adjetivos e as relações entre os termos da frase, a língua ganha vida.
Quando esse aluno analisa o texto produzido por um colega e pode mostrar-lhe suas incorreções, se aproxima do autor e ganha destaque como revisor de um trabalho produzido por alguém próximo e não um autor distante. A escrita passa a fazer sentido quando o aluno sabe a função do seu texto: Para que vou escrever? Para quem? A escrita não pode ser realizada apenas para o professor, em função de uma nota. Ela precisa fazer sentido. Atividades como a produção de um jornal escolar ou a correspondência interescolar são boas estratégias pedagógicas para atingir este objetivo.
Nessa perspectiva, a metodologia deixa de priorizar a gramática normativa para dar ênfase à análise linguística, às trocas entre os alunos, à exposição oral, quando os textos dos alunos são lidos para a turma.
Da mesma forma, a leitura precisa estar inserida num contexto que a estimule. Um projeto que tenha sido definido pela turma, em assembleia, pode ser o grande motivador para as pesquisas que se seguirão e para as leituras compartilhadas.
Na prática, essa metodologia baseada na gramática normativa tem sido responsável, em certa medida, por uma legião de analfabetos funcionais. Pessoas que passaram pela escola, mas não ganharam a desenvoltura necessária para se tornar um falante proficiente da Língua Portuguesa. São pessoas com imensa dificuldade para redigir um texto ou para se expressar numa entrevista de emprego, por exemplo.
Para exemplificar trago aqui algumas frases postadas em rede social por aspirantes ao cargo de professor adjunto no concurso do município do RJ:
“Estou tentando exprimir o cartão de confirmação e não estou conseguindo.”
“50% da prova você tá clacificado é torcer para uma boa discusiva.”
“Bom dia, mais você zerou?”
“Alguém sabe me disse, o que conta como prova de títulos?”
“Será que a nota da objetiva já vai vim com as correções dos recursos aceitos?”
Continuando a reflexão inicial: Em que medida o ensino da gramática normativa contribuiu para a desenvoltura dessas pessoas enquanto falantes da Língua Portuguesa?
Citando novamente Travaglia[3], propugnamos que nosso objetivo como professores de Português para falantes nativos de Português não é fazer com que adquiram a língua, como no caso de língua estrangeira, mas ampliar sua capacidade de uso dessa língua, desenvolvendo sua competência comunicativa por meio de atividades com textos utilizados nas mais diferentes situações de interação comunicativa e que, por isso mesmo, serão construídos e constituídos com recursos próprios.
A meu ver, o ensino da gramática normativa, torna-se, muitas vezes, um dos entraves invisíveis para o desenvolvimento de crianças e adolescentes como leitores e escritores bem sucedidos.
Sonho com uma escola em que a leitura e a escrita serão prioridade absoluta e a gramática normativa será encarada da mesma maneira que o dicionário: grande parceiro para consultas quando o aluno e o professor julgarem necessário.
[1] Antunes, 2007
[2] Travaglia, Luiz Carlos. Gramática e interação: uma proposta para o ensino de gramática no 1º e 2º graus. P.103. 2001.
[3] Ibidem. P. 142.
É proibida a cópia total ou parcial do conteúdo deste site sem os devidos créditos e sem a autorização expressa da autora.